domingo, 6 de dezembro de 2009

Cabidela

Começou como começam as grandes histórias, por acaso.
Começou com uma qualquer conversa, no intervalo de um curso em horário pós-laboral.
Precisavam de um keeper, comentou um colega.
Na Maia, aos Sábados à tarde.
O campo, um verdadeiro 20x40, com relvado sintético de última geração.
Irrecusável convite para uma hora de prazer.
Assim foi. Um punhado de jogos interessantes e umas tardes de Sábado bem passadas.
E um encontro feliz com um jogador de futebol. Quem joga sabe que se criam empatias inexplicáveis dentro de campo. Que se estabelecem ligações privilegiadas. Que há jogadores com quem jogamos até de olhos fechados.
Por isso, quando me disse que jogava também às segundas-feiras à noite, no mesmo campo, e que precisavam de um keeper, a minha resposta foi óbvia.
Nunca recuso um convite para uma hora de prazer intenso...
E era realmente disso que se tratava. Uma hora de jogo com um ritmo insano.
Com um espírito competitivo exacerbado.
Como da final da Champions se tratasse.
Loucos gloriosos, a jogar futebol do melhor.
Que com frequência se tornavam o centro das atenções.
Nos períodos de ouro, até os jogadores do campo ao lado paravam para observar.
Era Champions League, com toda a propriedade.
Encontrei ali o jogador mais criativo e divertido que vi jogar.
Surpreendi-me com o empenho e fôlego infindáveis.
Sofri com o mais venenoso pé esquerdo de que me lembro.
Ri-me com os mais desconcertantes golos.
Deleitei-me com o jogo de equipa.
Foram tempos áureos, esses.
Jogos míticos, que recordamos até hoje.
Mas tudo na vida tem um fim.
E as lesões precipitaram esse fim.
Se à primeira lesão grave as segundas-feiras ficaram mais tristes, à segunda terminaram.
Essa segunda lesão que materializou o maior receio de todos.
A mesa de operações e o fim definitivo do futebol.
Os jogos continuaram por mais alguns meses.
Mas foi apenas o prolongar a agonia.
Hoje resta apenas a saudade.
E um jantar anual, em volta de um arroz de cabidela, de 6 ou 7 jogadores que se encontravam para jogar futebol, às segundas-feiras.
Os melhores que conheci.

Senhora da Hora, 6 de Dezembro de 2009

sábado, 5 de dezembro de 2009

de pantufas

Fui traído pelas minhas palavras de cronista de trazer por casa.
Não pretendia em caso algum denotar resignação, com a crónica do Larouco.
E muito menos baixar os braços.
Não os baixei nas longas travessias do deserto com que o Glorioso me presenteia frequentemente.
Não desisiti do Atlético quando uma impensável descida à Série B se abateu sobre BH.
Não deixei de acreditar no América, mesmo vegetando na ridícula Série C do Brasileirão.
Não deixei de confiar no Benfica, por causa de dois resultados pontuais.
Reafirmo: O Benfica vai ser campeão.
Confio cegamente nisso.
Mas sou realista.
Tudo na vida tem seu ciclo. O Benfica de Jesus não é excepção.
Depois de um exuberante Outono, é normal que venha a míngua do Inverno.
Que o frio entorpeça as ideias da equipa.
Que a geada congele a imaginação dos criativos.
Que o vento fustigue o entusiasmo dos jogadores.
Espero que Jesus saiba disso.
E espero que saiba, sobretudo, usar a reserva de motivação amealhada nas goleadas passadas.
Para que se possa passar incólume pelo Inverno.
Porque voltará o entusiasmo da Primavera.
As goleadas voltarão lá para Março.
Encaremos pois a estação que se avizinha.
Mas, antes das rabanadas, é importante um último esforço.
Uma última folha de Outono
Que se vença o Porto.
Sem dúvidas e com categoria.
Depois, que venham as pantufas e a lareira.

Senhora da Hora, 5 de Dezembro de 2009