quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Começou...

Começou finalmente o Campeonato.
Liga Sagres, chama-se este ano.
E começou com a normalidade dentro do campo. E fora dele.
Dentro do campo o Glorioso começou com um empate no Estádio dos Arcos, em noite de nevoeiro. Normal.
Fora dele, os adeptos suspiram por D Sebastião, incarnado num Argentino recém- medalhado em Pequim.
E essa impaciência, esse desejo messiânico é também normal no terceiro anel.
Infelizmente.
Infelizmente, porque de paciência, mais do que resultados estrondosos, é do que precisamos agora.
Para interromper esse ciclo vicioso que, ano após ano transforma a expectativa em desilusão.
E a desilusão em desencanto.
Esse ciclo que tritura jogadores, que engole treinadores.
Devemos começar a época à espera de trabalho sério.
Não de que "seja este o ano do Benfica".
Que "acorde o monstro adormecido".
Que nos tornemos " um dos maiores clubes da Europa"...
Lá chegaremos. Com paciência.
Só com paciência podemos dar espaço a Quique Flores para que faça o seu trabalho.
Só com confiança os jogadores terão oportunidade de mostrar o seu jogo.
Sejamos nós capazes de esperar, e este ano será ano de Benfica.
Não necessariamente de títulos.
Não necessariamente de resultados estrondosos.
Mas de paciência. De futuro.
Em que cada jogo sério que diputamos seja uma conquista.
Em que cada jogador integrado seja uma vitória.
Em que cada adepto que se reconheça no trabalho de equipa seja um golo.
Os títulos, esses pertencem ao futuro.
E o futuro pertence-nos.
Haja trabalho.
Haja paciência.

Pedro Rui

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

JVP

É o ciclo da vida.
Todos os futebolistas, mesmo os eternos, decidem um dia pôr fim à carreira.
Também para João Vieira Pinto chegou a hora de anunciar a retirada.
João Vieira Pinto, um dos mais brilhantes futebolistas de sempre.
Um dos mais controversos.
Um dos mais injustiçados, também.
Dono de uma técnica invejável, imparável com a bola nos pés, desconcertante sem ela, nunca deixou ninguém indiferente.
Se no campo é quase consensual o seu talento, fora dele suscita reacções opostas.
Contribuiram para isso algumas atitudes e situações em que caiu ou se deixou cair.
Cito apenas o caricato episódio do "rapto" por Sousa Cintra e o resgate encarnado, nesse verão de desertores da Luz. Não lhe ficou bem.
Mas fico-me por aqui, porque considero que é o que fez dentro de campo que deve marcar a apreciação da sua carreira.
E aí foi um jogador incontornável em qualquer análise séria que se faça dos últimos 20 anos do futebol Português.
Foi a ele que coube a hercúlea tarefa de carregar o Benfica às costas, durante o deprimente período que se seguiu à purga de Artur Jorge.
Assumiu as despesas e fê-lo como ninguém.
E foi absolutamente decisivo nessa fase.
E como todos os jogadores decisivos foi sistematicamente castigado, impiedosamente marcado.
Era o alvo a abater, o homem a anular.
Porque assim se anulava o Benfica.
Mas não era fácil, que o diga Paulinho Santos.
Tornou-se então alvo da maldicência dos adversários. Da inveja.
Repetidamente foi rotulado de "fiteiro", acusado de simular faltas, de cavar penalties.
Aguentou-se, apesar disso.
Porque esse é o reverso da medalha da fama, da notoriedade.
E aguentou também a incompreensível e sumária dispensa do plantel encarnado, às portas do Euro 2000.
Vítima da deriva autoritária, populista e cega de Vale e Azevedo.
Mas a esta humilhação pública, respondeu com um Europeu fantástico, e com um golo, o 2-2 à Inglaterra, que permanecerá para sempre como um dos mais belos golos marcado na história do campeonato.
E respondeu com um contrato com o Sporting.
Respondeu com dois campeonatos nacionais ganhos de leão ao peito, que terminou com os 18 anos de jejum, que já alimentava o anedotário popular.
Não resistiu tão bem ao linchamento público de que foi alvo após a inacreditável tesoura com que presenteou um adversário Coreano nesse deprimente Mundial de 2002, nesse Mundial de António Oliveira.
E se essa falta despropositada e dura foi incompreesível, que dizer da reacção intempestiva que culminou com a agressão ao árbitro? Sem perdão, foi a frase que então me ocorreu.
E terá ocorrido também a Scolari, que o riscou sumariamente da Selecção.
Pareceu-me lógico na altura.
Olhando para trás, revendo a sua carreira, não estou tão certo disso hoje. Penso que teria merecido um castigo exemplar, é certo, mas também uma nova oportunidade.
Porque prefiro lembrar o João Vieira Pinto dos célebre 6-3 ao Sporting de Queirós.
Ou da genial jogada com que desbaratou a defesa alemã, em pleno Estádio da Luz, culminando com um remate sobre a direita, defendido pelo grande Andreas Kopke.
Merecia golo, essa jogada.
Como merecia outro final a sua carreira.
Quem gosta realmente de futebol não vai esquecer João Vieira Pinto.
Eu não esquecerei.

Pedro Rui




quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Rhodes, cidade universal

Confesso que não sou daqueles viajantes que investiga exaustivamente os locais que visita, que prepara ao pormenor as viajens que faz.
Prefiro rumar a uma cidade com o mínimo de balizamento, apenas com as indicações necessárias.
Rhodes não foi excepção.
As referências que levava resumiam-se ao mítico colosso e ao acordar de Corto Maltese, ao iniciar a sua aventura rumo a Samarcanda.
Nada de palpável, portanto.
E foi assim que cheguei às margens do Egeu.
Mas o que encontrei surpreendeu-me.
Rhodes revelou-se uma cidade fascinante, uma cidade única.
Única porque soube aproveitar a sua posição geográfica, o seu interesse estratégico.
Por ali passaram Gregos, Romanos, Bizantinos, Genoveses, Venezianos, Sarracenos...
Não foi por acaso que os Cavaleiros de São João a ocuparam em 1309, servindo-se dela como posto avançado no apoio às cruzadas rumo à Terra Santa.
Dessa presença chega-nos a impressionante fortificação da cidade e os notáveis Albergues dos Cavaleiros.
É única a sensação de percorrer a Rua dos Cavaleiros, descobrindo os escudos dos diversos reinos Europeus.
É emocionante depararmo-nos com as Quinas cravadas na parede do Albergue de Espanha.
E é esmagador chegar ao Palácio do Grão-Mestre no topo desta Rua.
Palácio que, apesar da reconstrução de gosto e critério duvidoso que os Italianos levaram a cabo, mantém a sua aura de imponência incontestável, de autoridade divina.
Não será difícil de imaginar a afronta e inveja que a impressionante silhueta da cidade murada, uma das maiores da Europa, despertava na Turquia, do outro lado do estreito. Durou por isso até 1522 a presença dos Cavaleiros de São João em Rhodes, tomada então pelos Turcos Otomanos, liderados por Suleiman o Magnífico.
Chegam então à cidade as inevitáveis Mesquitas com os elegantes Minaretes.
Destaco a dedicada ao conquistador Suleiman, pela sua posição de domínio sobre a cidade, desafiando a posição do Palácio do Grão-Mestre.
Mas foi com surpresa e fascínio que descobri a Mesquita, mas sobretudo o cemitério Turco de Murat Reis, já fora dos muros da cidade.
O actual estado de abandono, a que não será alheia a animosidade reinante entre Grécia e Turquia, por causa do Chipre, contribui para adensar o ar misterioso, amaldiçoado do local.
Confesso que se tornou um dos meus locais favoritos...
Foi longa de 400 anos a presença Turca, terminando em 1912, com a conquista da cidade pelos Italianos.
Começa aqui uma obcessão de 30 anos, responsável por grande parte das reconstruções que permitiram que a monumentalidade da cidade chegasse até aos dias de hoje.
Obcessão que fez do Palácio do Grão-Mestre residência de Verão para Mussolini e Victor Emanuel III.
Obcessão na reconstrução dos Albergues da Rua dos Cavaleiros.
Obcessão de quem sopunha que a presença Italiana duraria certamente mais...
Finalmente, e após a II Guerra, Rhodes é integrada na República Grega, estatuto com que chega aos dias de hoje.
E chega com características únicas, com uma hospitaleira e descontraída população.
Fruto das múltiplas influências.
Fruto da necessidade de sobrevivência às variadas mudanças na ilha.
Mas fruto, também, de uma abertura natural ao exterior.
E foi essa abertura que a tornou, mais do que uma cidade Grega, mais do que uma cidade Turca, uma cidade universal.
Uma cidade do mundo.
E é assim que gosto de pensar no Benfica.
Perto de Rhodes.
Como uma equipa universal, aberta.
Internacionalista.
Que foi capaz de albergar o marroquino Hassan e o Sueco Pringle.
Que deu tecto ao Egípcio Sabry e ao Inglês Scott Minto.
Que idolatrou Poborsky, que endeusou Preud'Homme.
Que deposita o futuro em Cardozo e Di Maria.
E que continue a servir de casa a Katsouranis.
Esse Grego que no mesmo jogo pode ser um central imperial, um seguríssimo trinco, ou um finalizador desconcertante.
Esse Grego, aclamado como herói no Estádio que o viu por fim ao sonho Europeu de Portugal.
Esse Grego que espero continue a vestir a camisola encarnada com o nº8.
Longe da sua Grécia, mas perto da universal Rhodes.
É assim que sonho o Benfica.
Uma equipa do mundo.

Pedro Rui